Miguel era um marido dedicado, daqueles que fazem de tudo pela felicidade da sua esposa, Sofia para ele era um verdadeiro objeto de adoração. Ele trabalhava em uma firma de contabilidade pequena, não era um funcionário exemplar tava mais para um capacho humano, pintavam e bordavam com ele na firma obrigando-o a tarefas ridículas que nada tinham haver com seu trabalho, uma vez seu chefe, um homem velho e ensebado, que andava sempre com aqueles ternos de defuntos, o obrigou a ficar até depois do expediente limpando o escritório com avental e tudo, era um trabalho alem de ridículo também humilhante, mais ele sempre respondia com o seu velho sim e um sorriso sem graça.
Para toda a vizinhança, apesar de ser um bundão, ele era um homem de bem, coisa rara nesse mundo. Sua esposa também o adorava, costumava sempre fazer o mesmo prato preferido dele no jantar, o mesmo spaghetti da vovó, que ele devorava com rapidez quando chegava em casa, e preparava também sua cama, que ele se atirava sem nem mesmo trocar o velho terno e dormia profundamente roncando como um trator velho e por ultimo ela nunca esquecia de mandar um beijinho de despedida para o sonolento marido depois de se arrumar para ir para a casa do seu amante, o chefe dele.
Mais tudo isso ia mudar quando Miguel, todo satisfeito foi até a loja de animais Campo Belo, comprar o presente de aniversario de casamento para sua linda e fiel esposa, ela mesmo talvez nem lembrasse da data, mais ele era um marido perfeito e por isso tinha que fazer tudo certinho alias era mais que ser um marido perfeito era uma mania crônica de perfeição, enfiado nele desde pequeno a cintadas e pauladas pelo seu padrasto louco e bêbado, mais ele não tinha do que reclamar, até achava bom porque hoje ele era um homem de bem!Foi quando ele viu aquele gato, não havia nada de especial realmente na pobre criatura, era apenas mais um filhote malhado que algum dono anterior de saco cheio tinha colocado para adoção, mais para Miguel algo naquele bichano estava errado, não tinha nada haver com doenças, imperfeições nos pelos ou falta de membros, eram os seus olhos, aqueles vivos olhos amarelados que o encaravam não da forma pidona dos gatos, mais de uma forma profunda e misteriosa, Miguel pensou ter notado até mesmo algo de inteligência no olhar daquele felino, e algo muito mais sinistro que fez com que um calafrio estranho percorresse todo o seu corpo.
– Bom dia senhor, deseja alguma coisa? – Perguntou sorridente, uma jovem muito bonita que trabalhava na loja.
– Ah sim, eu gostaria de saber quanto custa esse gato. – era uma pergunta idiota, visto que tinha uma enorme placa em cima da gaiola onde estava o bicho, escrita em letras garrafais, para adoção.– Não custa nada senhor, apenas pedimos que também compre algo da loja junto, como ração ou areia artificial.
– Ah certo, quero os dois – respondeu um desconcertado Miguel.Miguel se dirigiu ao caixa e pagou a ração e a areia artificial, a moça logo trouxe o felino e o colocou em uma caixa com buracos para ventilação, enquanto ele contava o troco olhou mais uma vez para a caixa e viu um felino que o espiava por um dos buracos como se o estivesse estudando.
Era quase noite quando chegou em casa, as luzes estavam acessas e sorriu satisfeito planejando a surpresa que ia fazer para sua mulher, ela era tão dedicada e tão fiel era o mínimo que ele poderia fazer.Entrou na casa sem fazer barulho, colocou a caixa do gato e os outros produtos em cima da escrivaninha da sala e foi direto para o quarto, enquanto se aproximava ouviu estranhos gemidos e sorrisos, ficou alarmado e pegou um vaso no corredor, poderia ser um ladrão ou pior alguém poderia estar fazendo mal para sua amada!Correu em direção ao quarto e com um belo chute escancarou a porta, ficou tão apalermado com a cena que deixou o vazo cair no chão.
Ele simplesmente se virou e refez o caminho em direção a sala, sentou-se num sofá e ficou ali olhando para o nada tentando botar em ordem seus pensamentos, não acreditava no quer tinha acabado de ver, mais era real, seu chefe e sua esposa na cama, ele estava enrabando ela de verdade e o pior ela estava gostando mesmo! Não sentia raiva naquele momento, ele simplesmente se sentia vazio estranhamente vazio, uma sensação de quem nem existia. Ouviu um miado e lembrou-se do pobre gato preso na caixa, levantou-se e retirou o animal manhoso da caixa e o colocou no chão, pegou a ração e encheu uma panela qualquer e colocou perto dele, mais o gato não se mexia, parecia uma estatua, ele não tinha aquela curiosidade natural dos gatos de explorar lugares novos e nem parecia com fome.
Miguel ficou ali encarando o gato que também encarava Miguel, até que os dois safados apareceram na sala, sua mulher seminua e um chefe muito sorridente, o gato andou tranqüilamente para um canto escuro da cozinha. A esposa dele nem tentou se explicar acendeu um cigarro e foi fumar num canto lançando uma careta de desgosto para o pobre marido ali parado sem saber que reação tomar, seu chefe todo orgulhoso deu um tapinha amigável no seu ombro enquanto o lembrava da mulher gostosa que tinha, vestiu o paletó e deu um beijo apaixonado na mulher na frente de Miguel e saiu mundo afora.
– O que foi seu idiota não vai fazer nada não? – perguntou a mulher com ar de desagrado, mais ele apenas se retirou para o quarto e ficou ali deitado na cama.
E ficou ali olhando para o teto enquanto sua mulher o xingava de todo o tipo de nome que vinha a cabeça, súbito o gato vindo do nada pula sobre ele e o observa sentado em cima do seu peito nesse momento ele sabe exatamente o que tem que fazer, então o gato salta para cima da cama e ele vai tranqüilamente até a cozinha e começa a revirar as gavetas de talheres até encontrar um martelo de amaciar carnes, então ele chama a mulher que responde algum palavrão de dentro do banheiro, sorri e vai até o banheiro e ao tentar abrir a porta percebe que ela esta trancada, então começa a golpear a porta com o martelo enquanto ela grita como louca por socorro.
Ele destrói toda a madeira, deixando um grande buraco por onde passa tranqüilamente, quebra com um único golpe o espelho do Box e agarra a mulher no chuveiro pelo cabelo, ele acerta uma martelada no seu olho e o sangue dela espirra em seu rosto, ela cai no chão, ele verifica seu pulso, estava viva ainda e por um instante ele admira a cena horrorizada, mais ouve um ronronar na porta do banheiro, era o gato que o observava com um vivo interesse, Miguel viu um brilho macabro em seus olhos felinos, havia malicia lá.
Esquecendo o horror do ato brutal que havia cometido, ele arrasta o corpo da mulher pela perna até o porão deixando um rastro horrendo de sangue pelos corredores, ele sorri alto sente uma felicidade como nunca havia sentido, era como se algo o fizesse liberar toda a fúria que permanecia lá em seu interior, como um terrível demônio que espera pelo ritual certo para voltar ao mundo dos vivos.Chegando no inicio da escada, ele olha para a escuridão do porão e levanta o corpo dela, encostando-o numa parede para ficar frente a frente com ela, a mulher da alguns gemidos bizarros e ele a beija, experimentando o gosto do sangue que escorre pela boca dela, satisfeito ele joga o corpo escada a baixo como se fosse um pesado saco de batatas, e observa atentos os sons emitidos pela queda, a maldita ainda não tinha morrido mais depois ele cuidaria dela, ele sente algo passar roçando pela sua perna, era o gato que descia rapidamente as escadas, um rosnar e um grito inumano, agora estava tudo silencioso.
Miguel volta até o banheiro, deixando marcas de botas pelo chão sujo de sangue e lava o rosto na pia do banheiro, então como por um maldito encanto ele recobra a razão e é bombardeado pelas imagens do ato brutal que cometera, desesperado ele senta na privada com as mãos segurando a cabeça e emite um grito desesperado. Sua mente estava repleta de imagens de morte, o rosto de sua mulher sangrando, a pancada mortal com o martelo de amaciar carne, suas roupas ainda estavam sujas de sangue, ele precisaria se livrar delas e estava rezando para que nenhum vizinho tivesse escutado os gritos.
Meio tonto ele se levantou em direção ao corredor e viu todo o sangue no chão, imediatamente vomitou todo o almoço no carpete, ele não entendia como poderia em sã consciência ter cometido aquele ato brutal, mais não era hora de ficar pensando nisso, ele tinha que arrumar toda aquela bagunça correu para a cozinha e pegou um balde e um esfregão, encheu o balde de água e misturou detergente e mais alguns produtos que ele conseguiu encontrar e começou a limpar desesperadamente todo sangue.
Deveria ser umas duas da manha quando ele terminou de limpar tudo, estava impecável, agora só precisava se livrar dos panos sujos de sangue e do corpo, sim do corpo, lembrando disso ele pegou todos os panos e se dirigiu para o porão, quando abriu a porta quase desmaiou, um cheiro insuportável de putrefação invadiu sua narina tomando todo o seu ser, apoiou-se na parede tentando não cair, estava tonto mais tinha que tirar o corpo dali os vizinhos já poderiam ter notado o cheiro e quem sabe a policia poderia estar a caminho nesse momento.Desceu a escada segurando nas paredes para não cair, tateou em volta na escuridão em busca da maldita luz, até que tropeçou em algo macio caindo de cara no chão, mesmo sentindo uma dor imensa ele se levantou batendo a cabeça na lâmpada do teto puxou a cordinha que a acendia e todo o porão ficou envolto por uma luz amarelada pálida, olhou para o chão procurando identificar aonde tinha tropeçado e deu um grito horrorizado ao constatar que tinha tropeçado no corpo semidevorado de sua mulher.Chorava convulsivamente enquanto olhava para a macabra cena, algo no estava se mexendo dentro dos restos do corpo da mulher, com cuidado ele recuou alguns passos para trás e pegou um velho machado que estava preso em um suporte na parede e ficou ali observando, seu susto não foi menor ao ver o gato saindo de dentro dos restos da mulher, o animal o olhou satisfeito com um brilho completamente diferente nos olhos, antes amarelados, agora vermelhos como o sangue, não foi algo pensando, foi simplesmente um impulso que fez com que Miguel acertasse em cheio uma machadada no filhote partindo o crânio do maldito felino.
A criatura despencou no solo com um miado tão macabro que fez com que Miguel corresse dali o mais rápido que podia, tropeçando feito doido na escada, trancou a porta com violência, e se sentou no corredor chorando muito, estava perdendo a razão e sabia disso, não ele não estava, um pensamento surgiu em sua mente, foi aquele gato maldito, ele o tinha enfeitiçado e o obrigara a matar a esposa, ele sabia disso, apesar de tudo ele amava a esposa não seria capaz de mata-la, e naquele gato sabia ele, tinha algo muito esquisito.
Ficou ali sentando nem sabe por quanto tempo, o dia estava perto de amanhecer, o sol começava a surgir deixando lançando uma luz fantasmagórica através das janelas, deixando o ambiente mais sinistro ainda, no ar pairava um sentimento macabro, um sentimento de morte, um sentimento tão opressor que fez com que ele acordasse do pseudo-sono em que estava, acordou confuso, tinha sonhado com coisas que não eram desse mundo, abismos de sangue, gritos desesperados e sua esposa lhe oferecendo um bolo de carne enfeitado com a cabeça do gato.Então ele ouviu miados vindo do porão, um pavor imenso tomou conta de todo o seu ser, não podia ser ele tinha matado o infeliz e agora ele estava lá miando implorando por atenção? Tateou em busca do machado e se lembrou que o tinha largado no porão, levantou-se devagar, suas pernas pesavam e se sentia cansado alem de apavorado, foi até a cozinha procurar uma faca, não suportava mais aqueles miados insistentes, procurou novamente na gaveta dos talheres e achou a faca de destrinchar com cabo vermelho, que tinha dado para sua mulher de presente no aniversario anterior, junto com uma coleção de outras facas para churrasco, ela queria tanto aquilo, uma lagrima solitária desceu pelo seu rosto, e as lembranças o atormentavam, mais logo os miados recomeçaram, ele precisava acabar com aquilo de uma vez por todas.
Correu até a garagem, a rua estava deserta, poucos carros passavam mais ninguém parecia ter notado nada do que aconteceu, usou o controle remoto em seu bolso para abrir o portão automático, deu a volta no carro e pegou um galão de gasolina e uma mangueira, abriu o tanque do carro e enfiou uma ponta da mangueira lá dentro e chupava a outra ponta, quando sentiu o gosto de gasolina na boca, ele rapidamente tirou a ponta da boca e a colocou dentro do recipiente, esperou encher até a metade e saiu apressado esquecendo de tirar a mangueira e fechar a tampa do combustível, estava apressado.
Ao entrar na sala derramou um pouco da gasolina sobre os moveis e chão e foi assim derramando por todos os cômodos, quarto do casal, cozinha, sala de estar até chegar na porta que dava para o porão, encostou o galão na parede e abriu a porta devagar com a faca em mãos, quando ele abriu a porta e entrou o barulho dos miados cessaram, por um instante ainda duvidou do que tinha ouvido mais outro ruído chamou sua atenção, eram passos que vinha da base, passos pesados como se alguém estivesse andando com uma bota completamente suja de lama, voltou para pegar o galão e o deitou na base da escada deixando escorrer o restante do liquido inflamável escada abaixo, retirou um isqueiro do bolso do paletó que usava e quando se preparava para acender, uma voz familiar o chamou fazendo com que todo seu corpo ficasse paralisado de puro horror, era a voz de sua mulher, a voz inconfundível de Sofia que o chamava apavorada.
Miguel sentiu as pernas cederem com o seu peso e teve que se apoiar na parede para não rolar escada abaixo, sua razão estava fugindo dele ele sabia, estava ficando completamente pirado, sua mão pendia ao lado do corpo com o peso da faca, mais ele logo se equilibrou e gritou em voz alta;
– Não é a minha mulher, é esse maldito gato, não sei o que você é mais eu vou acabar com isso de uma vez por todas. – um miado estridente respondeu a provocação de algum canto escuro do porão.
Juntando o resto de coragem que ainda possuía, ele desceu os degraus com a faca na mão e o isqueiro acesso, olhou em volta e surpreso viu que o corpo da mulher não estava mais lá, olhou em volta e viu um vulto sentado em uma cadeira de balanço velha, a fraca luz da lâmpada era insuficiente para iluminar todo o porão.Aproximou-se devagar do vulto e quando conseguiu ver o que era, urrou de medo deixando cair seu isqueiro acesso no chão, deu alguns passos para trás, sua mente se recusava a aceitar aquilo que seus olhos viam, logo todo o peso do medo se instalou sobre ele deixando-o novamente paralisado de horror.
Na velha cadeira de balanço estava a sua mulher, pelo menos era o que restava da sua mulher, agora uma criatura deformada e descarnada, ossos a mostra, sangue coagulado nos retalhos de carne que pendiam de seu rosto e torax, seu seio esquerdo pendia deixando a mostra um buraco na caixa torácica por onde saiam fluidos verdes pegajosos, seus lábios haviam sido arrancados dos dos ossos deixando amostra o maxilar sujo de sangue.Ela falava gesticulando macabramente, o som de sua voz vinha de dentro, como se viesse do mais profundo inferno;
– Amor eu voltei para você e prometo que agora eu vou me comportar, me dar um abraço amor? – quanto mais a criatura se esforçava para falar, mais fluidos verdes eram cuspidos da sua boca, deixando uma papa macabra por todo o seu corpo carcomido.
Uma fúria como nunca tinha se abatido sobre Miguel, algo tão inesperado que todo o medo e repulsa que havia sentido tinham desaparecido completamente, tinha retomado o controle do seu corpo e avançava com ódio em direção a esposa putrefata, e a golpeou varias vezes com a faca, ela ainda tentava se defender rasgando roupas e carne de Miguel que na fúria não conseguia sentir dor alguma. A cabeça destruída rolou pelo chão, e o corpo putrefato parou de se debater, estava morta.
Miguel recuou sentindo a dor das feridas causada pelas unhas putrefatas da esposa que eram muitas e profundas sentiu o gosto do sangue que escorria pela boca abundante e se deixou cair no chão encharcado de gasolina e ficou ali desejando a morte imediata e o alivio para a dor que o dilacerava, de repente um ruído de carne e ossos rasgando, ele olha em direção ao corpo sem cabeça sentado e vê a cabeça do maldito felino rachado no meio sair de dentro do tórax, minúsculos tentáculos saiam da rachadura, ele parecia ter aumentado de tamanho, não tinha mais pelos era todo ossos e restos de carne podre, uma voz invadiu a cabeça de Miguel provocando uma dor extrema;
– É inútil lutar, nunca sairá vivo e graças aos machucados que recebeu logo se tornará um de nos… – a criatura soltou um grotesco miado de vitória.
Mais logo a criatura para de miar e olha confusa para Miguel, que ria feito louco deitado ali no chão, ele então retira uma das mãos que estava escondida embaixo de um móvel velho e mostra triunfante um isqueiro acesso para a criatura, que tenta se soltar dos restos putrefatos da ex-mulher dele “Eu nunca quis sair dai” diz Miguel enquanto deixa cair o isqueiro acesso sobre a poça de gasolina.
– Foi um incêndio terrível – comentou uma senhora alarmada com outras duas que estavam observando os bombeiros apagarem o resto das chamas que ainda teimavam em continuar acessas da casa completamente destruída.
– Com certeza, – diz outra senhora igualmente alarmada – um homem tão bom, o senhor Miguel não merecia isso não, por sorte esse pequeno gatinho sobreviveu por milagre, vou leva-lo para minha casa, não posso deixa-lo abandonado assim.
A senhora se despediu das outras, levando o pequeno filhote malhado no ombro que olhava triunfante para a casa destruída.