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Miguel era um marido dedicado, daqueles que fazem de tudo pela felicidade da sua esposa, Sofia para ele era um verdadeiro objeto de adoração. Ele trabalhava em uma firma de contabilidade pequena, não era um funcionário exemplar tava mais para um capacho humano, pintavam e bordavam com ele na firma obrigando-o a tarefas ridículas que nada tinham haver com seu trabalho, uma vez seu chefe, um homem velho e ensebado, que andava sempre com aqueles ternos de defuntos, o obrigou a ficar até depois do expediente limpando o escritório com avental e tudo, era um trabalho alem de ridículo também humilhante, mais ele sempre respondia com o seu velho sim e um sorriso sem graça.

Para toda a vizinhança, apesar de ser um bundão, ele era um homem de bem, coisa rara nesse mundo. Sua esposa também o adorava, costumava sempre fazer o mesmo prato preferido dele no jantar, o mesmo spaghetti da vovó, que ele devorava com rapidez quando chegava em casa, e preparava também sua cama, que ele se atirava sem nem mesmo trocar o velho terno e dormia profundamente roncando como um trator velho e por ultimo ela nunca esquecia de mandar um beijinho de despedida para o sonolento marido depois de se arrumar para ir para a casa do seu amante, o chefe dele.
Mais tudo isso ia mudar quando Miguel, todo satisfeito foi até a loja de animais Campo Belo, comprar o presente de aniversario de casamento para sua linda e fiel esposa, ela mesmo talvez nem lembrasse da data, mais ele era um marido perfeito e por isso tinha que fazer tudo certinho alias era mais que ser um marido perfeito era uma mania crônica de perfeição, enfiado nele desde pequeno a cintadas e pauladas pelo seu padrasto louco e bêbado, mais ele não tinha do que reclamar, até achava bom porque hoje ele era um homem de bem!Foi quando ele viu aquele gato, não havia nada de especial realmente na pobre criatura, era apenas mais um filhote malhado que algum dono anterior de saco cheio tinha colocado para adoção, mais para Miguel algo naquele bichano estava errado, não tinha nada haver com doenças, imperfeições nos pelos ou falta de membros, eram os seus olhos, aqueles vivos olhos amarelados que o encaravam não da forma pidona dos gatos, mais de uma forma profunda e misteriosa, Miguel pensou ter notado até mesmo algo de inteligência no olhar daquele felino, e algo muito mais sinistro que fez com que um calafrio estranho percorresse todo o seu corpo.

– Bom dia senhor, deseja alguma coisa? – Perguntou sorridente, uma jovem muito bonita que trabalhava na loja.

– Ah sim, eu gostaria de saber quanto custa esse gato. – era uma pergunta idiota, visto que tinha uma enorme placa em cima da gaiola onde estava o bicho, escrita em letras garrafais, para adoção.– Não custa nada senhor, apenas pedimos que também compre algo da loja junto, como ração ou areia artificial.

– Ah certo, quero os dois – respondeu um desconcertado Miguel.Miguel se dirigiu ao caixa e pagou a ração e a areia artificial, a moça logo trouxe o felino e o colocou em uma caixa com buracos para ventilação, enquanto ele contava o troco olhou mais uma vez para a caixa e viu um felino que o espiava por um dos buracos como se o estivesse estudando.

Era quase noite quando chegou em casa, as luzes estavam acessas e sorriu satisfeito planejando a surpresa que ia fazer para sua mulher, ela era tão dedicada e tão fiel era o mínimo que ele poderia fazer.Entrou na casa sem fazer barulho, colocou a caixa do gato e os outros produtos em cima da escrivaninha da sala e foi direto para o quarto, enquanto se aproximava ouviu estranhos gemidos e sorrisos, ficou alarmado e pegou um vaso no corredor, poderia ser um ladrão ou pior alguém poderia estar fazendo mal para sua amada!Correu em direção ao quarto e com um belo chute escancarou a porta, ficou tão apalermado com a cena que deixou o vazo cair no chão.

Ele simplesmente se virou e refez o caminho em direção a sala, sentou-se num sofá e ficou ali olhando para o nada tentando botar em ordem seus pensamentos, não acreditava no quer tinha acabado de ver, mais era real, seu chefe e sua esposa na cama, ele estava enrabando ela de verdade e o pior ela estava gostando mesmo! Não sentia raiva naquele momento, ele simplesmente se sentia vazio estranhamente vazio, uma sensação de quem nem existia. Ouviu um miado e lembrou-se do pobre gato preso na caixa, levantou-se e retirou o animal manhoso da caixa e o colocou no chão, pegou a ração e encheu uma panela qualquer e colocou perto dele, mais o gato não se mexia, parecia uma estatua, ele não tinha aquela curiosidade natural dos gatos de explorar lugares novos e nem parecia com fome.

Miguel ficou ali encarando o gato que também encarava Miguel, até que os dois safados apareceram na sala, sua mulher seminua e um chefe muito sorridente, o gato andou tranqüilamente para um canto escuro da cozinha. A esposa dele nem tentou se explicar acendeu um cigarro e foi fumar num canto lançando uma careta de desgosto para o pobre marido ali parado sem saber que reação tomar, seu chefe todo orgulhoso deu um tapinha amigável no seu ombro enquanto o lembrava da mulher gostosa que tinha, vestiu o paletó e deu um beijo apaixonado na mulher na frente de Miguel e saiu mundo afora.

– O que foi seu idiota não vai fazer nada não? – perguntou a mulher com ar de desagrado, mais ele apenas se retirou para o quarto e ficou ali deitado na cama.

E ficou ali olhando para o teto enquanto sua mulher o xingava de todo o tipo de nome que vinha a cabeça, súbito o gato vindo do nada pula sobre ele e o observa sentado em cima do seu peito nesse momento ele sabe exatamente o que tem que fazer, então o gato salta para cima da cama e ele vai tranqüilamente até a cozinha e começa a revirar as gavetas de talheres até encontrar um martelo de amaciar carnes, então ele chama a mulher que responde algum palavrão de dentro do banheiro, sorri e vai até o banheiro e ao tentar abrir a porta percebe que ela esta trancada, então começa a golpear a porta com o martelo enquanto ela grita como louca por socorro.

Ele destrói toda a madeira, deixando um grande buraco por onde passa tranqüilamente, quebra com um único golpe o espelho do Box e agarra a mulher no chuveiro pelo cabelo, ele acerta uma martelada no seu olho e o sangue dela espirra em seu rosto, ela cai no chão, ele verifica seu pulso, estava viva ainda e por um instante ele admira a cena horrorizada, mais ouve um ronronar na porta do banheiro, era o gato que o observava com um vivo interesse, Miguel viu um brilho macabro em seus olhos felinos, havia malicia lá.

Esquecendo o horror do ato brutal que havia cometido, ele arrasta o corpo da mulher pela perna até o porão deixando um rastro horrendo de sangue pelos corredores, ele sorri alto sente uma felicidade como nunca havia sentido, era como se algo o fizesse liberar toda a fúria que permanecia lá em seu interior, como um terrível demônio que espera pelo ritual certo para voltar ao mundo dos vivos.Chegando no inicio da escada, ele olha para a escuridão do porão e levanta o corpo dela, encostando-o numa parede para ficar frente a frente com ela, a mulher da alguns gemidos bizarros e ele a beija, experimentando o gosto do sangue que escorre pela boca dela, satisfeito ele joga o corpo escada a baixo como se fosse um pesado saco de batatas, e observa atentos os sons emitidos pela queda, a maldita ainda não tinha morrido mais depois ele cuidaria dela, ele sente algo passar roçando pela sua perna, era o gato que descia rapidamente as escadas, um rosnar e um grito inumano, agora estava tudo silencioso.

Miguel volta até o banheiro, deixando marcas de botas pelo chão sujo de sangue e lava o rosto na pia do banheiro, então como por um maldito encanto ele recobra a razão e é bombardeado pelas imagens do ato brutal que cometera, desesperado ele senta na privada com as mãos segurando a cabeça e emite um grito desesperado. Sua mente estava repleta de imagens de morte, o rosto de sua mulher sangrando, a pancada mortal com o martelo de amaciar carne, suas roupas ainda estavam sujas de sangue, ele precisaria se livrar delas e estava rezando para que nenhum vizinho tivesse escutado os gritos.

Meio tonto ele se levantou em direção ao corredor e viu todo o sangue no chão, imediatamente vomitou todo o almoço no carpete, ele não entendia como poderia em sã consciência ter cometido aquele ato brutal, mais não era hora de ficar pensando nisso, ele tinha que arrumar toda aquela bagunça correu para a cozinha e pegou um balde e um esfregão, encheu o balde de água e misturou detergente e mais alguns produtos que ele conseguiu encontrar e começou a limpar desesperadamente todo sangue.
Deveria ser umas duas da manha quando ele terminou de limpar tudo, estava impecável, agora só precisava se livrar dos panos sujos de sangue e do corpo, sim do corpo, lembrando disso ele pegou todos os panos e se dirigiu para o porão, quando abriu a porta quase desmaiou, um cheiro insuportável de putrefação invadiu sua narina tomando todo o seu ser, apoiou-se na parede tentando não cair, estava tonto mais tinha que tirar o corpo dali os vizinhos já poderiam ter notado o cheiro e quem sabe a policia poderia estar a caminho nesse momento.Desceu a escada segurando nas paredes para não cair, tateou em volta na escuridão em busca da maldita luz, até que tropeçou em algo macio caindo de cara no chão, mesmo sentindo uma dor imensa ele se levantou batendo a cabeça na lâmpada do teto puxou a cordinha que a acendia e todo o porão ficou envolto por uma luz amarelada pálida, olhou para o chão procurando identificar aonde tinha tropeçado e deu um grito horrorizado ao constatar que tinha tropeçado no corpo semidevorado de sua mulher.Chorava convulsivamente enquanto olhava para a macabra cena, algo no estava se mexendo dentro dos restos do corpo da mulher, com cuidado ele recuou alguns passos para trás e pegou um velho machado que estava preso em um suporte na parede e ficou ali observando, seu susto não foi menor ao ver o gato saindo de dentro dos restos da mulher, o animal o olhou satisfeito com um brilho completamente diferente nos olhos, antes amarelados, agora vermelhos como o sangue, não foi algo pensando, foi simplesmente um impulso que fez com que Miguel acertasse em cheio uma machadada no filhote partindo o crânio do maldito felino.

A criatura despencou no solo com um miado tão macabro que fez com que Miguel corresse dali o mais rápido que podia, tropeçando feito doido na escada, trancou a porta com violência, e se sentou no corredor chorando muito, estava perdendo a razão e sabia disso, não ele não estava, um pensamento surgiu em sua mente, foi aquele gato maldito, ele o tinha enfeitiçado e o obrigara a matar a esposa, ele sabia disso, apesar de tudo ele amava a esposa não seria capaz de mata-la, e naquele gato sabia ele, tinha algo muito esquisito.

Ficou ali sentando nem sabe por quanto tempo, o dia estava perto de amanhecer, o sol começava a surgir deixando lançando uma luz fantasmagórica através das janelas, deixando o ambiente mais sinistro ainda, no ar pairava um sentimento macabro, um sentimento de morte, um sentimento tão opressor que fez com que ele acordasse do pseudo-sono em que estava, acordou confuso, tinha sonhado com coisas que não eram desse mundo, abismos de sangue, gritos desesperados e sua esposa lhe oferecendo um bolo de carne enfeitado com a cabeça do gato.Então ele ouviu miados vindo do porão, um pavor imenso tomou conta de todo o seu ser, não podia ser ele tinha matado o infeliz e agora ele estava lá miando implorando por atenção? Tateou em busca do machado e se lembrou que o tinha largado no porão, levantou-se devagar, suas pernas pesavam e se sentia cansado alem de apavorado, foi até a cozinha procurar uma faca, não suportava mais aqueles miados insistentes, procurou novamente na gaveta dos talheres e achou a faca de destrinchar com cabo vermelho, que tinha dado para sua mulher de presente no aniversario anterior, junto com uma coleção de outras facas para churrasco, ela queria tanto aquilo, uma lagrima solitária desceu pelo seu rosto, e as lembranças o atormentavam, mais logo os miados recomeçaram, ele precisava acabar com aquilo de uma vez por todas.

Correu até a garagem, a rua estava deserta, poucos carros passavam mais ninguém parecia ter notado nada do que aconteceu, usou o controle remoto em seu bolso para abrir o portão automático, deu a volta no carro e pegou um galão de gasolina e uma mangueira, abriu o  tanque do carro e enfiou uma ponta da mangueira lá dentro e chupava a outra ponta, quando sentiu o gosto de gasolina na boca, ele rapidamente tirou a ponta da boca e a colocou dentro do recipiente, esperou encher até a metade e saiu apressado esquecendo de tirar a mangueira e fechar a tampa do combustível, estava apressado.

Ao entrar na sala derramou um pouco da gasolina sobre os moveis e chão e foi assim derramando por todos os cômodos, quarto do casal, cozinha, sala de estar até chegar na porta que dava para o porão, encostou o galão na parede e abriu a porta devagar com a faca em mãos, quando ele abriu a porta e entrou o barulho dos miados cessaram, por um instante ainda duvidou do que tinha ouvido mais outro ruído chamou sua atenção, eram passos que vinha da base, passos pesados como se alguém estivesse andando com uma bota completamente suja de lama, voltou para pegar o galão e o deitou na base da escada deixando escorrer o restante do liquido inflamável escada abaixo, retirou um isqueiro do bolso do paletó que usava e quando se preparava para acender, uma voz familiar o chamou fazendo com que todo seu corpo ficasse paralisado de puro horror, era a voz de sua mulher, a voz inconfundível de Sofia que o chamava apavorada.

Miguel sentiu as pernas cederem com o seu peso e teve que se apoiar na parede para não rolar escada abaixo, sua razão estava fugindo dele ele sabia, estava ficando completamente pirado, sua mão pendia ao lado do corpo com o peso da faca, mais ele logo se equilibrou e gritou em voz alta;

– Não é a minha mulher, é esse maldito gato, não sei o que você é mais eu vou acabar com isso de uma vez por todas. – um miado estridente respondeu a provocação de algum canto escuro do porão.

Juntando o resto de coragem que ainda possuía, ele desceu os degraus com a faca na mão e o isqueiro acesso, olhou em volta e surpreso viu que o corpo da mulher não estava mais lá, olhou em volta e viu um vulto sentado em uma cadeira de balanço velha, a fraca luz da lâmpada era insuficiente para iluminar todo o porão.Aproximou-se devagar do vulto e quando conseguiu ver o que era, urrou de medo deixando cair seu isqueiro acesso no chão, deu alguns passos para trás, sua mente se recusava a aceitar aquilo que seus olhos viam, logo todo o peso do medo se instalou sobre ele deixando-o novamente paralisado de horror.

Na velha cadeira de balanço estava a sua mulher, pelo menos era o que restava da sua mulher, agora uma criatura deformada e descarnada, ossos a mostra, sangue coagulado nos retalhos de carne que pendiam de seu rosto e torax, seu seio esquerdo pendia deixando a mostra um buraco na caixa torácica por onde saiam fluidos verdes pegajosos, seus lábios haviam sido arrancados dos dos ossos deixando amostra o maxilar sujo de sangue.Ela falava gesticulando macabramente, o som de sua voz vinha de dentro, como se viesse do mais profundo inferno;

– Amor eu voltei para você e prometo que agora eu vou me comportar, me dar um abraço amor? – quanto mais a criatura se esforçava para falar, mais fluidos verdes eram cuspidos da sua boca, deixando uma papa macabra por todo o seu corpo carcomido.

Uma fúria como nunca tinha se abatido sobre Miguel, algo tão inesperado que todo o medo e repulsa que havia sentido tinham desaparecido completamente, tinha retomado o controle do seu corpo e avançava com ódio em direção a esposa putrefata, e a golpeou varias vezes com a faca, ela ainda tentava se defender rasgando roupas e carne de Miguel que na fúria não conseguia sentir dor alguma. A cabeça destruída rolou pelo chão, e o corpo putrefato parou de se debater, estava morta.

Miguel recuou sentindo a dor das feridas causada pelas unhas putrefatas da esposa que eram muitas e profundas sentiu o gosto do sangue que escorria pela boca abundante e se deixou cair no chão encharcado de gasolina e ficou ali desejando a morte imediata e o alivio para a dor que o dilacerava, de repente um ruído de carne e ossos rasgando, ele olha em direção ao corpo sem cabeça sentado e vê a cabeça do maldito felino rachado no meio sair de dentro do tórax, minúsculos tentáculos saiam da rachadura, ele parecia ter aumentado de tamanho, não tinha mais pelos era todo ossos e restos de carne podre, uma voz invadiu a cabeça de Miguel provocando uma dor extrema;

– É inútil lutar, nunca sairá vivo e graças aos machucados que recebeu logo se tornará um de nos… – a criatura soltou um grotesco miado de vitória.

Mais logo a criatura para de miar e olha confusa para Miguel, que ria feito louco deitado ali no chão, ele então retira uma das mãos que estava escondida embaixo de um móvel velho e mostra triunfante um isqueiro acesso para a criatura, que tenta se soltar dos restos putrefatos da ex-mulher dele “Eu nunca quis sair dai” diz Miguel enquanto deixa cair o isqueiro acesso sobre a poça de gasolina.

– Foi um incêndio terrível – comentou uma senhora alarmada com outras duas que estavam observando os bombeiros apagarem o resto das chamas que ainda teimavam em continuar acessas da casa completamente destruída.

– Com certeza, – diz outra senhora igualmente alarmada – um homem tão bom, o senhor Miguel não merecia isso não, por sorte esse pequeno gatinho sobreviveu por milagre, vou leva-lo para minha casa, não posso deixa-lo abandonado assim.

A senhora se despediu das outras, levando o pequeno filhote malhado no ombro que olhava triunfante para a casa destruída.

 

A pequena Sarah

Publicado: 11 de outubro de 2010 em Os Relatos dos que se foram...

Relembrando os eventos do passado eu percebi o que tinha feito eu mudar tão inesperadamente de atitude, ah como fui tola eu poderia ter feito algo para mudar essa tragédia que se abateu sobre o mundo há muito mais tempo, mas o fato era, que eu estava ocupada demais sentindo pena de mim mesma e com perguntas inúteis sobre o porque de tudo ter me ocorrido, seria uma maldição? E o mais engraçado é que eu sempre achei que sabia o que era uma maldição, até aquele maldito dia em que os mortos decidiram não continuar mais mortos.

Quando tudo começou eu não sei ao certo, mais sei quando tudo que era importante para mim começou a fazer sentindo. Eu estava dirigindo minha Harley pela rodovia 52, era bom se sentir livre e selvagem – um sorriso ao lembrar dessa palavra – estava com o meu velho casaco de couro negro com o nome bordado em marrom, Baby, tinha sido um presente do meu velho padrinho ele me disse que de uma forma ou de outra eu iria acabar aceitando meu destino, meu destino era uma droga e por isso não aceitava sua existência, uma pessoa assim e digna de pena eu sei.

Depois de algumas horas na estrada cheguei num posto de gasolina, a lua já ia alta no céu escuro e havia apenas uma moça que cuidava das bombas e alguns caminhoneiros idiotas que conversavam, sentados, em uma mesa nojenta de um boteco com uma placa escrito porta do céu. Eu deixei minha moto com a moça para encher o tanque, gostei dela seu sorriso infantil me lembrou momentos passados, e acariciei seu rosto com vivo interesse antes de entrar naquela joça de bar, eu sabia que ela observava meu jeito de andar, meu rebolado e aposto que ela se molhou toda só de imaginar o que poderia fazer na cama com uma loira linda como eu, eu nunca me subestimei, eu era mesmo linda.

Quando entrei me senti observada pelos idiotas da mesa, eu pedi um maço de cigarros e fiquei encostada na parede fumando. Um dos idiotas, o mais gordo e feio possível, resolveu tentar a sorte, mas não era o seu dia, ele se aproximou falando idiotices e então tocou no meu rosto e no momento seguinte, ele voava vidro a fora caindo com um estrondo no chão, realmente Big Bob, este não era o seu dia. O resto fugiu sem graça enquanto eu saia calmamente do bar, paguei a moça da bomba com alguns trocados e um belo beijo na sua boca enquanto a acariciava, por um momento eu ainda observei seu rosto vermelho de paixão e senti vontade de leva-la comigo, mais um pensamento sombrio me fez desistir da ideia e alguns momentos depois, eu já estava na estrada novamente.

Eu estava muito excitada e fato, até pensei em voltar e me dar uma merecida noite de sexo com aquela garota linda, entretanto os eventos seguintes mudaram toda minha rota. Havia algo errado a frente, parei a moto perto dos carros colididos, iluminei a cena e juro que nunca tinha observado nada tão repugnante, e eu já tinha visto muita coisa repugnante. Dois homens estavam debruçados sobre uma mulher e arrancavam sua carne e a devoravam como dois canibais do inferno, eu pude ouvir o grito de socorro de uma menininha no banco de trás do Passat amassado, me levantei da moto e peguei a pistola na mochila. Os canibais ao me verem se levantaram e partiram para cima de mim como se andar fosse para eles tão dificil quanto correr uma maratona sem respirar.

Não pensei duas vezes e atirei neles e pro meu espanto, simplesmente continuaram avançando em minha direção como se nada tivesse acontecido – eu juro que descarreguei todas a minhas balas neles e mesmo assim continuavam andando – um deles me agarrou e tentou me morder, eu o joguei alguns metros longe e acertei um belo soco em outro que acabou perdendo a mandíbula inferior e agora urrava como todas as legiões do inferno e ainda avançava. Esse retomou o ataque e eu segurei seu crânio com tanta força que pude ouvir ele se estilhaçando enquanto meus dedos penetravam fundo ate atingir seu cérebro, o bastardo se remexeu ainda uma vez quando retirei meus dedos sangrentos de dentro dele e logo caiu morto no chão.

O outro tentou me pegar desprevenida – meus ouvidos são muito sensíveis entende? – mais ele não podia prever minha agilidade e logo seu crânio estava caído no chão rodando sobre si mesmo e o seu corpo sem cabeça jazia ao seu lado, tinha sido um potente gancho de direita. Eu abri a porta emperrada do Passat e a atirei longe tirando com cuidado a menina de dentro. Seu nome era Sarah, a pequena Sarah, eu a vi indefesa e com medo, ela me disse que seus pais foram atacados pelos estranhos homens e foram mordidos e depois seu pai morto no chão, tinha voltado a vida!! E eu me achava estranha… Coloquei a menina na garupa e fomos embora daquele show de horrores.

Passamos por diversos vilarejos que margeavam a estrada e o cenário era o mesmo, pessoas eram perseguidas por essas “coisas” mortas e por vezes ainda víamos cenas tão grotescas de carnificinas que eu poderia jurar que eu tinha ficado louca, mais no fim o mundo e que tinha ficado louco. As vezes parávamos em algum posto abandonado, a pequena Sarah precisava dormir – eu vasculhava o local primeiro sempre em busca de possíveis seres mortos e os matava habilmente – será que eu estava me entregando a fúria da besta? O fato é que numa dessas paradas os encontramos. Era um grupo pequeno de sobreviventes, estavam entocados em uma loja de conveniência e apontaram suas armas para nossas cabeças, eles não sabiam que se fizessem algo com a pequena Sarah, nada poderia salva-los da Baby!

Um homem de cabelos brancos e que parecia ser o líder dessa pequena tropa de seis pessoas interveio, era uma daquelas raras pessoas que pensam mais nos outros que em si mesmo, depois dos ânimos controlados estávamos todos reunidos no escritório da lojinha, eles nos explicaram tudo que tinham visto – todos os mortos, parentes ou não em dado momento começaram a levantar e a devorar seus parentes. – o pastor do grupo, um sujeito gordo e que suava como um porco o tempo todo vivia nos lembrando que era o apocalipse do senhor, eu apenas sorria dessas afirmações toscas enquanto a pequena Sarah dormia no meu colo. Um dos sobreviventes, um homem de aspecto rude e um tanto estranho, a olhava sempre com aquele interesse pervertido de homens sem escrúpulos.

Alem do senhor grisalho líder do grupo, do padre medroso e do estranho com cara de pervertido, havia duas belas meninas que logo chamaram minha atenção. A mais nova não passava de uma colegial, chave de cadeia. A mais velha era quem me interessava, era uma stripper de renome e pelo visto meus olhares sedentos eram compartilhados por ela, sorri satisfeita quando a noite, depois de botar a pequena Sarah para dormir, ela veio em meu quarto e nos amamos até o nascer do sol. Aquela ruiva sedenta por sexo selvagem fazia todo o meu tipo e nessa hora senti a minha fera interior se sentir saciada de luxuria.

Nossos gemidos deveriam estar sendo ouvidos por todos, que não se importavam por estarem preocupados demais com suas próprias vidas destruídas, tirando logicamente aquele estranho que desde o começo já despertou minhas mais profundas desconfianças. Lembro de pressentir algo de ruim, me levantei com o sol no meu rosto. Tudo estava silencioso e os demais dormiam em outras dependências da loja. – senti o cheiro forte e pútrido de ameaça no ar – quando cheguei no quarto da pequena Sarah aquele ser depravado estava em cima dela, abafando seus gritos com aquela mão podre sobre sua pequena boca.

Eu fui tomada pelo ódio insano e me atirei sobre ele com um salto que o derrubou no chão, montada sobre ele desferi tantos socos que quando parei sua cabeça doente era apenas uma massa disforme de sangue e ossos no chão. A pequena Sarah chorava alto sentada na caminha dela me olhando com pavor, logos os outros chegaram com suas armas apontadas para mim – porque esses idiotas acharam que eu e que queria fazer mal a ela? – eles me levaram pelos braços enquanto a prostituta ruiva que dormiu comigo cuidava de Sarah, ela me olhava com o mesmo olhar espantado dos outros.

Eu fui jogada na rua para servir de alimento para os mortos que caminhavam ao redor, Sarah se soltando do meio deles veio até a porta de vidro e batia desesperada chamando meu nome, ela queria vir comigo e chorou quando viu que os mortos se aproximavam. “Calma meu amor, eles não podem nos separar…”, eu decidi contra atacar os mortos que se juntavam ao meu redor, eu os socava violentamente e a cada golpe um ou dois voavam para trás com suas cabeças quebradas, mais eram muitos e eu sabia que não poderia ter alguma chance contra eles, então tive uma ideia macabra.

Desvencilhando-me do grupo que tentava me devorar, corri em direção a loja e me atirei vidraça adentro, abrindo caminho para me encontrar com a Sarah que se abaixou perto de mim caída no chão, e para os mortos que tentavam entrar e devorar os outros sobreviventes que corriam e atiravam como desesperados tentando proteger suas miseráveis vidas. Foi nesse exato momento que tudo mudou na minha vida, sabe esses momentos raros que as coisas parecem realmente fazer sentido? Enquanto me levantava com dificuldade devido a dor dos cacos de vidro que penetraram minha pele, eu observei a minha volta. Os mortos entravam como loucos loja adentro e atacavam todos os presentes, vi o desespero no olhar de cada um que tentava se proteger.

Mais o que fez eu tomar aquela atitude que eu tinha jurado no tumulo do meu pai não mais fazer, foi o olhar desesperançado da pequena Sarah e as lagrimas abundantes que jorravam de seus olhos azuis, eu não podia agüentar mais aquilo. Mandei Sarah se afastar e ela foi se esconder atrás de um balcão – os mortos já avançavam em minha direção – joguei meu casaco longe, a única lembrança do meu amado padrasto e a marca do meu destino assombroso. Por um momento o velho líder do grupo parou de atirar e observou sem palavras a cena que se desenrolava a sua frente. Eu senti meus músculos aumentarem bruscamente, toda a dor que já não era mais que um fato conhecido.

Senti ficar cada vez maior e mais pesada ate que cai de quatro no chão, gritei de dor enquanto meus dentes se tornavam presas e as minhas unhas aumentavam de tamanho rapidamente. Podia ouvir os estalos dos meus ossos que se quebravam e se reconstruíam formando ângulos diferentes, ficando maiores e mais duros, meus olhos sangravam enquanto meu nariz e boca se mesclavam em um som se transformando em um estranho focinho. Após muita dor, eu já não era a velha Baby de sempre, mulher decidida e forte, eu era a besta que corria solta pelos vales enluarados das terras dos meus antepassados. Tudo que se passou depois, eu vi como num filme macabro, eu sabia tudo que fazia mais não podia interferir em nada, era a besta quem estava no comando.

Eu via o sangue coagulado que voava para todos os lados, membros de pessoas que agora não passavam de coisas sem vida e sem vontade sendo atirado para todos os lados, eu era a emissária do inferno que carregava a morte horrenda no meio da horda dos que se recusavam a permanecer mortos, quanto mais eu matava mais queria matar e menos mortos restavam, até que por fim só restei eu – o pesadelo peludo sobre o cadáver de inúmeros cadáveres – devorando seus corações mortos.

Eu vi os sobreviventes restantes se aproximarem de mim com armas apontadas e o medo em sua face, eu queria mata-los também e me aproximei sorrateiro como os lobos fazem, eles tinham tanto medo que não conseguiam nem mesmo mirar direito errado as poucas balas que tinham – mesmo que acertassem, provavelmente não fariam qualquer estrago em mim – então ela surgiu no meio deles, como estava sorridente a pequena Sarah e abraçou a fera sangrenta sem se importar com a própria vida.

Eu vi o milagre acontecer, eu vi o impossível se tornar possível. A fera não a atacou eu não a feri de forma alguma, todo meu enorme corpo de pesadelo relaxou e permiti que ela montasse em mim, antes de partimos ainda demos uma breve olhada nos sobreviventes que agora se retiravam confusos, exceto pelo senhor grisalho que deu um grito de obrigado e se despediu de indo se juntar aos outros. E foi assim que todo meu jeito de pensar mudou para sempre, eu não pensava mais em maldições e aprendi a aceitar meu destino negro, porque afinal era impossível lutar contra nossa fera interior.

Então parei de lutar e a ensinei sobre o destino, ensinei a fera que nosso único caminho seria andar de mãos dadas e proteger nossa pequena Sarah. Logo a cidade e as mortes não importavam mais, que a cidade fosse tomada pela morte porque ali nas estradas da vida seriamos sempre livres…

Mal posso acreditar que antes de ontem pela manha, eu estava indo buscar minha filha no colégio. Eu era só mais um pai preocupado sentando no banco do motorista de uma van familiar, feliz com mais um dia de rotina e uma esposa maravilhosa. Como aconteceu e o porque de ter acontecido eu sinceramente não faço a mínima ideia, mais eu vi acontecer a primeira vez e foi tudo muito rápido. Eu lembro do padre bêbado, ele vinha caminhando trôpego no meio da rua, olhou de relance para mim com aqueles olhos vazios e alucinados; logo outros também surgiram e então eu ouvi o primeiro grito.

Então tudo que se passou após foi como num vídeo de uma filmadora passada a 3x, muito rápido até para se guardar uma impressão mais profunda dos fatos. O que se passou foi exatamente o seguinte, as coisas cercaram meu carro, peguei meu revolver e atirei contra elas embora agora já não saiba dizer se foi dentro ou se eu já estava correndo em direção a minha filha, eles carregavam os membros dela para todos os lados enquanto comiam a carne viva, oh meu deus eu não pude fazer nada! O estampido de vários tiros e eu ali segurando o que tinha restado dela, sua cabeça ainda olhava para mim e até mesmo tentou me morder…

Fui tirado a força das minhas recordações macabras por um companheiro de abrigo, seu nome era Miguel. Ele me dizia “Calma Wilson você tem que esquecer isso cara, não havia nada que pudesse realmente fazer, todos perdemos algo”.Ele tinha razão, éramos quatro pessoas e todas tínhamos perdido algo igualmente importante, o Miguel, por exemplo, foi obrigado a atirar na própria mãe quando ela resolveu que queria sua carne mestiça para o jantar. Ainda tem a Ana e a Marisa; a Ana era tenente do exercito, mulher forte e decidida mais que se culpa ainda hoje por ter levado seu esquadrão para a morte sem saber de nada.

Na realidade ela não tinha como saber que os inimigos no campo de jogos de guerra seriam tão bizarros e sedentos como aqueles mais no final o resultado foi o mesmo, em pouco tempo todo um batalhão estava morto, ou melhor, no outro time e ela teve sorte de escapar da chacina, embora ainda ache que não teve sorte. Já a Marisa foi à única que realmente foi pega de supressa, seu noivo quase a comeu viva na lua de mel, coisa triste essa não e mesmo? Agora estamos sendo chamados, uma espécie de reunião e o assunto já é conhecido, suprimento.

Não era nenhuma dessas salas de reuniões modernas, era na verdade apenas uma daquelas mesas de bar num abrigo improvisado num prédio em ruínas; havia pedaços de madeira pregadas em todas as janelas onde apenas fios de claridade que emergiam por entre as fendas nos diziam que ainda era dia lá fora. As portas do apartamento eram reforçadas com moveis pesados, com certeza na era lá muito eficiente mais contra um ataque da horda nos daria pelo menos algum tempo de vantagem para descer pelo sótão improvisado para o andar inferior que usávamos como uma espécie de armário gigante, lá guardávamos armas e muita comida para o caso de necessidade extrema.

Ana estava impaciente, estávamos ficando sem suprimento – o povo comia demais – e então decidimos criar um grupo de busca para procurar algo útil nas proximidades, foram escolhidos eu e a própria Ana, os outros deveriam nos dar cobertura do abrigo enquanto atravessávamos a multidão morta lá fora. De posse da minha arma favorita, uma ingram mac model 10,  logo estávamos os dois na rua olhando meio apreensivos para os mortos que andavam a esmo no meio da rua desolada, era um cenário de guerra como no Iraque, com todas aquelas casas semi destruídas e ruas vazias sujas com sangue, andávamos devagar procurando atravessar a rua sem chamar a atenção mais um deles nos viram e logo vários corriam ao nosso encontro. Escolhi meus alvos aleatoriamente enquanto corríamos em direção a uma loja de conveniência com um grande letreiro escrito assim; Loja do Farias e em letras menores, o fim está próximo converta-se a Jesus agora!

Acho que dei um sorrisinho quando li isso, não sei dizer ao certo porque estava ocupado acertando um monte daquelas coisas, não sei ao certo o que deu em mim mais eu praticamente acabei com todas as minhas balas atirando feito louco neles, acho que o peso das lembranças fizeram isso comigo, minha filha estava la olhando para mim, ela tentou me morder e eu tive que explodir sua cabeça com uma bala. Escutava vagamente a Ana me chamando enquanto a multidão se reunia ao meu redor, ela ainda conseguiu me puxar com força para dentro da loja, mais agora estávamos presos e parecia que todas as criaturas mofadas da cidade estavam ali para nos pegar, enquanto ela me xingava de qualquer coisa eu ficava ali sentado no chão com os olhos vidrados na multidão que batia no vidro apertando freneticamente o gatilho de uma arma sem balas.

Ana me deu um chute dolorido na barriga mais graças a isso consegui me recompor rapidamente, tínhamos que encher nossas mochilas com tudo que pudéssemos carregar; peguei comida, algumas garrafas de bebida barata e vários maços de cigarro. Ana me deu uma das suas pistolas e fomos direto para a porta dos fundos, ela me recomendou de uma forma áspera que eu tentasse me controlar e que não era só minha vida que corria perigo. Abrimos a porta com cuidado observando o movimento das criaturas carcomidas, havia apenas um garotinho com chapéu de marinheiro e  brincando com seu próprio olho caído, uma senhora que parecia querer quebrar um muro de tijolos com a cabeça e um senhor gordo que escorregava no próprio intestino delgado que saia do seu ventre aberto de forma grotesca.

Corremos em direção a eles, precisávamos dar a volta no prédio para tentarmos chegar no prédio, fico me perguntando porque ninguém pensou ainda em usar os esgotos – mais vai saber o que tem la dentro – estourei a cabeça do jovem marinheiro e a Ana se encarregou de abrir um buraco de ventilação na cabeça do gordo, a velha veio correndo em nossa direção com sua face rasgada e a mandíbula gangrenada exposta, acertei um soco no seu rosto fazendo sua mandíbula podre voar longe e completei o serviço com um tiro bem dando na testa explodindo sua nuca quando a bala saiu se alojando numa parede próxima.

Ana já estava bem adiantada e pedia ajuda, um grupo de mortos agora corria em sua direção e somente o seu fuzil não seria suficiente para deter eles, atirei em alguns que caiam como sacos pesados de grãos no chão, mais que droga Ana estava sendo dominada. Corri como louco para ajuda-la, empurrei alguns desses demônios para longe dela que agora lutava desesperadamente para sobreviver, súbito um estrondo e diversos pedaços de pessoas voavam para todos os lados, consegui empurrar todos os zumbis de cima dela, e ela terminou o serviço com sua doze, atirava como uma insana, ela me excitava.

Corremos entre as chamas e os pedaços carbonizados que teimavam em ficar mortos e se remexiam numa tentativa tola de pegar nossos pés, chegamos na portaria do prédio e novamente a fechamos com as pesadas barras de ferro laterais. Passado o susto ele me botou contra a parede, apertava meu pescoço com ódio e me perguntava o que diabos eu estava fazendo lá, toda aquela ladainha sobre responsabilidade. Não entendi direito sua próxima reação, talvez ela tivesse percebido a sombra de tristeza que desceu sobre meu rosto amargurado, ou talvez fosse apenas algum desejo escondido, ou mesmo falta de alguem querido, nada disso importa, o que importa e que ela me soltou e me beijou.

Aquela noite foi de comemoração, no fim todos me entendiam ou não ligavam porque tinham seus próprios problemas para pensar, quem ali no escuro da noite escondido dos demais num canto escuro do apartamento destruído, não soltasse pelo menos uma lagrima pelos entes que se foram, que atirasse a primeira pedra. Acho que li isso há muito tempo num livro chamado Bíblia, na época eu era muito devoto – era fácil ser assim porque tudo era muito simples – a vida era somente crescer, reproduzir, viver as ilusões cotidianas e no final morrer e rezar para ir pro céu. Hoje enquanto olho as criaturas novamente se agrupando lá fora percebo duas coisas importantes.

A primeira e que se Deus existe, percebeu que a sua maior criação era apenas trabalho de amador e resolveu jogar no seu cesto de lixo celestial, apostaria um cigarro que ele nesse momento deve estar concentrado em criar outro mundo mais bem feito. A segunda coisa que percebi, era algo bem mais importante que considerações sobre um criador ausente, as criaturas estavam ficando inteligentes. Um palhaço deformado pegava restos de asfalto e atirava contra a porta de vidro do prédio, não era muito preciso mais ele tentava mesmo assim; logo os outros vendo o esforço do primeiro começaram a tentar também.

Aquele lugar não era mais seguro, tirei todos do seu sono de beleza e os chamei para a sala de reunião, a maioria de cara fechada e nem sequer me deram ouvidos. Marisa achava que eu deveria ta tendo algum tipo de colapso nervoso e logo eu estava sozinho novamente na sala com cara de idiota. Eu sei que tudo que fiz em seguida foram atos extremamente egoístas e um tanto covarde, não eu realmente gostava daquele pessoal mais quando a gente esta numa situação como aquela – uma certeza de morte eminente – a gente faz o que e preciso para sobreviver.

Abri o alçapão improvisado e desci até o estoque de armas e comida, enchi a mochila com enlatados, duas garrafas de vodca da boa – o álcool e o combustível dos desesperados – e alguns maços de cigarro. Fui ate o armamento e peguei duas pistolas que coloquei por dentro da calça, uma espingarda winchester, e alguns vidros de molotov. Acho que fiz algum barulho porque quando me virava para ir embora, Ana estava na minha frente, maravilhosa com aquele vestido do exercito.

Eu acho que tive uma ereção, mais não me preocupei muito porque estava pensando em que desculpa poderia dar para ela sobre o fato de eu estar roubando equipamentos descaradamente do grupo. Mais para minha surpresa, ela apenas segurou minha mão contra o peito e disse que entendia o que eu iria fazer, ela queria ir junto para onde eu fosse e não importava o quanto errado eu poderia ser ou quanto errada era toda aquela loucura. Sorri retribuindo seu carinho e lhe dei as duas pistolas que eu carregava e ela ainda pegou mais algumas latas de comida e fomos até o porão. O plano era sair pelo esgoto mais aquela área do prédio poderia ser muito perigosa porque nunca nos atrevemos a andar por la. Estava escuro, ainda bem que eu sempre andava com uma lanterna. Alguma coisa se mexeu no escuro, estávamos uma pilha de nervos nesse momento.

Um ruido e um tiro acertaram um gato inocente e o pior posso ter chamado a atenção de mortos que rondassem por la – bom mais um ponto positivo para mim – então enquanto estava na metade do porão, eu já via a entrada para os esgotos a nossa frente, ouvimos o ruido da porta principal se quebrando, gritos, droga foram todos pegos de surpresa e não podíamos voltar atrás porque podíamos ouvir o barulho que a horda fazia descendo as escadas atrás da gente. Com a ajuda de Ana e muito esforço abrimos passagem para o escuro esgoto e pulamos la dentro, não antes de distribuir alguns tiros entre os mortos que nos alcançavam na escuridão do porão.

Acho que machuquei a perna na queda contra o chão molhado de fezes do esgoto, mais pelo menos estávamos salvos, nós podíamos ouvir o barulho daquelas coisas que se atiravam na passagem do esgoto se arrebentando no chão, parei para descansar e minha perna doía muito, Ana queria ficar comigo mais eu disse para que ela continuasse que eu a encontraria no fim do túnel que provavelmente não estava longe e que dava acesso a praia, sorri para ela e me despedi com um beijo. Esperei até não ouvir mais os seus passos e me concentrei no ruido dos passos dos mortos que estavam cada vez mais perto, eu sabia que não havia outro jeito de mata-los e sabia também que o que eu faria me mataria também, todos aqueles gases da decomposição dos restos…

Quando pude ver as silhuetas das criaturas decompostas surgirem no meio breu do esgoto, eu gargalhei e gritei alto “Ana eu amo você!“ E acendi o pavio…

Ana foi atirada longe pelo impacto da explosão e caiu de cara na areia da praia, por algum tempo ficou desacordada mais logo recobrou a consciência. Olhou na direção do cano pelo qual tinha saido e ainda saia fogo de dentro dele, uma lagrima solitária srugiu em sal face triste e enquanto caminhava em direção a lancha parada no píer coberto de sangue ela ainda pensou “Boa mais um ponto pra você Wilson”.

 

Alucinações

Publicado: 8 de outubro de 2010 em Os Relatos dos que se foram...

Naquela noite acordei e parecia que estava num sonho, eu estava deitado e havia varias pessoas de branco ao meu redor. Parecia o céu, mas o céu e um lugar para santos, minha cabeça doía muito e me sentia meio tonto, tentei me mexer e senti meu corpo inteiro endurecido e doía com o simples esforço de me mexer. Olhei para o lado esquerdo e uma enfermeira que estava sentada do meu lado entrou em choque, ela saiu da sala juntamente com as outras pessoas de branco antes que eu pudesse ao menos perguntar o que tinha acontecido comigo, agora a sala branca estava totalmente silenciosa e o cheiro de éter invadia minhas narinas, eu estava num hospital.

Imagens furtivas passavam em minha mente como um rolo de filme estragado, enquanto me levantava eu via cenas estranhas, uma festa regada a vinho barato uma moça loira, muito bonita me olhava sorridente. Levantei-me da maca, minhas pernas estavam pesadas e eu me movi com dificuldade até a porta que dava para um corredor igualmente silencioso, mais naquele corredor algo havia acontecido, havia macas como a minha jogadas pelo chão e manchas vermelhas pelas paredes como se alguem sem nenhum talento para pintura tivesse passado ali e tentado pintar as paredes.

Andei pelos corredores silenciosos, um silencio profundo, coisa estranha para um hospital, a onde estavam os pacientes e os médicos? Normalmente um hospital era sempre cheio, pacientes e parentes andavam para todos os lados, uns gemiam nas macas outros pelo chão enquanto enfermeiras displicentes apenas os olhavam com olhos de nojo, médicos andavam com suas pranchetas na mão fingindo que anotavam alguma coisa importante enquanto as atendentes ficavam ali sentadas atrás dos balcões com rostos impacientes ou fofocando entre si sobre suas aventuras sexuais das noites anteriores.

Eu estava na recepção, aquilo era um verdadeiro caos diversas cadeiras estavam jogadas pra todos os lados, novas marcas vermelhas em formato de mãos estavam estampadas pelas paredes e em algumas cadeiras, uma grande mancha estava sob o balcão e acabei escorregando numa poça do mesmo liquido e cai de cara no chão. Novamente novos flashs invadiram minha memória distorcida, eu estava andando pela rua parecia revoltado com alguma coisa que eu não entendia agora o que podia ser, uma prostituta loira me chamou a atenção com um belo sorriso, era uma visão dos céus, andava pensando muito no céu ultimamente, ela me levou para dentro de uma boate de segunda, as luzes vermelhas me cegavam e apenas me deixei levar para dentro do quarto.

Ouvi um grito vindo de um dos corredores do hospital, me levantei com a maior rapidez que meu corpo dolorido e pesado me permitia, cambaleei entre os corredores em busca do som que eu tinha ouvido. Até que cheguei numa sala com a porta escancarada, uma placa na porta, necrotério, entrei olhando para todos os lados, a ideia de entrar numa sala assim não era das mais reconfortantes mais entrei do mesmo jeito, quando meus olhos se acostumaram a meia luz que entrava no quarto escuro observei um vulto no fim da sala, estava chorando era uma mulher. Andei até ela e toquei em seu ombro, ela virou devagar em minha direção, não sei exatamente o que naquela pobre senhora me assustou mais, quando dei por mim estava correndo como um louco porta a fora em direção aos corredores vazios do hospital.

Enquanto fugia daquele hospital ainda podia ouvir a senhora que corria atrás de mim gemendo alto como se estivesse muito machucada e me censurei pelo fato de não ter ajudado ela, mais sua aparencia me assustou muito, poderia ser uma louca qualquer. Cheguei na porta de um elevador e apertei freneticamente os botões na esperança da porta se abrir com mais rapidez, ela estava cada vez mais perto de mim, a porta se abre e eu entro como um raio, ainda vi mais uma vez o rosto da senhora, deformado numa expressão de dor profunda, a porta se fecha e posso recuperar meu fôlego.

Enquanto recuperava o fôlego encostado na parede, eu notei uma jovem enfermeira encolhida num canto, ela me olhava com uma mascara de pânico estampada na face e eu tentei acalma-la, na verdade ate mesmo tentei conversar com ela, mais ela simplesmente me ignorava e gritava em pânico. De repente a luz do elevador se apaga e escuto um barulho terrível de algo coisa se partindo, a luz reacende e a jovem enfermeira estava sendo puxada pelo teto agora eu só podia ver suas pernas, juro que ainda tentei puxar ela de volta mais meu esforço foi em vão, porque o que fosse que a puxava para cima agora a tinha matado e o seu sangue escorria pelo meu rosto e blusa me ensopando totalmente, enquanto limpava meu rosto ainda pude ver suas pernas sem vida sendo puxadas para a escuridão acima do elevador.

Novamente um flash acompanhado de uma dor de cabeça terrível, tanto que me dobrei no chão de dor, as imagens surgiam em meu cérebro como uma torrente macabra A noite de sexo selvagem, os gemidos dela em meus ouvidos e o gozo fenomenal, ela tinha prometido largar essa vida ela queria se casar e eu apenas sorria muito. Alguem batia na porta e ela queria atender eu insisti para não ir, ela trazia um vinho suave, eu sentia a paz que a muito tempo eu queria ao seu lado, ela era perfeita para mim, depois senti o frio do concreto aonde estava deitado, um pingo de chuva atingiu meu rosto, havia sangue.

Forcei a porta do elevador até que consegui força minha passagem para fora através de uma fenda, eu não tinha ideia de onde estava mais observando bem todo aquele maquinário e armários com materiais de limpeza eu podia supor que estava no almoxarifado. Tateei durante algum tempo e acabei encontrando uma porta aberta que dava para o estacionamento, havia vários carros, escolhi um opala velho, peguei um ferro jogado no chão e quebrei o vidro do carro, abri a porta por dentro e consegui fazer ligação direta, pelo menos isso eu ainda sabia fazer, talvez fosse apenas questão de instinto. Súbito alguem aparece na janela quando eu me preparava para sair, ele gritava por ajuda e tudo que eu queria era voltar pra casa, quando sai do carro ele olhou para o meu rosto e gritou em pânico, andava de costas falando sem parar, tentava me convencer a não mata-lo e eu dizia que eu so queria ajudar.

O que aconteceu depois foi muito rápido, alguem ou alguma coisa caiu do teto sobre ele e começou a arranha-lo e a morde-lo ferozmente, o coitado nem sequer pode se defender do ataque súbito e eu estava por demais assustado para reagir. A coisa deformada levantou os olhos do homem destroçado e me olhou por um momento sem interesse algum, deu um rugido baixo e voltou ao seu banquete macabro, eu não pensei duas vezes, liguei o carro e me mandei dali.

Enquanto dirigia me perguntava que tipo de inferno tinha ocorrido naquela cidade, era algo terrível, as ruas eram um campo de guerra haviam pessoas correndo para todos os lados e outras que as perseguiam, no caminho vi uma cena abominável, uma criança, não devia ter mais que uns dez anos estava debruçada sobre um senhor e mordia sua carne puxando-a com os dentes enquanto o sangue do homem espirrava em sua face, ainda atropelei duas outras pessoas que se levantaram após o impacto como se nada tivesse acontecido e continuaram a perseguir um homem com um bastão que acertava outros e que acabou sendo subjugado. Quando estacionei o carro na velha casa dos meus pais, vi uma freira com seu habito manchado de sangue e carregava uma cabeça numa das mãos, ela andava aleatoriamente de um lado para o outro como se estivesse alucinada.

Sai do carro apressado e corri até a porta de casa, o velho sobrado aonde morava com minha esposa, a porta estava fechada e eu tentei derruba-la em vão, alguem havia bloqueado ela eu sabia que quem tinha feito isso ainda estava la dentro, podia ouvir seus gritos de desespero. Me afastei da porta uma dor insuportável tomou conta de mim, eu sentia como se vermes me devorassem por dentro, com dificuldade acabei me sentado na varanda esperando a dor passar, percebi que outras pessoas estavam me acompanhando, era uma multidão bizarra de adultos, velhos e crianças com olhos vidrados como em transe e sujos de sangue e outra coisa que não conseguia identificar, logo eles estavam ao redor da casa.

Um novo flash, era uma festa de aniversario eu estava bebendo vinho ao lado da mesma mulher loira de antes, ela sorria e estava deslumbrante. Seu rosto ficou serio por um instante e ela me disse que tinha algo importante para me contar eu estava bêbado e so conseguia sorrir, súbito o meu mundo girou e eu acabei perdendo todas as forças, não conseguia me mexer apenas vi toda a cena seguinte com um assombro. O mesmo homem que eu tinha visto antes em outro flash sorria encostado na porta do quarto, ela se levantou e o beijou, senti um ódio terrível eles falavam algo que eu não conseguia ouvir, eram como bonecos de ventríloquo sem as vozes características, senti minha consciência me abandonar, a escuridão tomou conta de mim.

A dor diminuiu novamente e andei em direção a porta dos fundos, no caminho reconheci uma amiga que batia sua cabeça como louca no vidro de uma das janelas, quando me aproximei ela apenas me olhou com aquele olhar vazio por um instante e retomou sua bizarra tarefa, toquei em seu ombro e tentei fazer com que ela parasse mais outros vieram e me empurraram para trás e começaram a bater com seus punhos na janela, eu acreditei ter enlouquecido de vez e retomei meu antigo trajeto. Encontrei a porta entreaberta e adentrei a cozinha que estava uma bagunça. Oh meu deus a dor insuportável novamente, cai de joelhos no chão, senti meu estomago revirar e um gosto de sangue na boca, eu estava com fome.

Outro flash, um flash mais doloroso e completo que os anteriores. Eu tinha acabado de acordar no sofá, levantei com pressa e sai porta a fora com as chaves do carro na mão, dirigi como louco pelas ruas da cidade, uma mulher fugia desesperada de casa enquanto um homem ferido e ensangüentado a perseguia pela rua não dei bola, dirigi até a gasolina acabar e encostei o carro em uma rua de ma fama da cidade, havia muitas prostitutas nas esquinas e quando reconheci a loira que me drogara fui logo tomar satisfações com ela, eu a agarrei pelos pulsos e gritei muito com ela, as outras se afastaram com um sorrisinho e logo o homem estranho apareceu me empurrando e me dando um baita soco, cambaleei para trás e ele me agarrou novamente me acertando uma forte joelhada na barriga, cai de quatro no chão sem fôlego eu tinha sido derrotado, a ultima coisa que me lembro dessa noite foi do estampido e da escuridão…

Levantei-me do chão da cozinha quando a dor diminuiu, caminhei em direção a sala e quando cheguei lá vi horrorizado o amontoado de corpos sem vida e destroçados pelo chão, andei entre eles com cuidado para não tropeçar e logo estava na base da escada, ouvi passos na cozinha com certeza os outros haviam me seguido. Eu subia a escada degrau por degrau enquanto minhas idéias começavam a fazer sentido, os outros se banqueteavam com os corpos no chão da sala e eu não sentia mais nojo eu apenas sentia muita fome, ouvi sussurros numa porta no fim do corredor, eles estavam la dentro e a porta estava trancada.

Senti uma lagrima escorrer do meu rosto, tudo fazia sentido, eu queria apenas me divertir aquela noite, era meu aniversario e eu era sempre tão sozinho, eu a encontrei na rua ela se ofereceu para mim, tomávamos vinho enquanto ela me drogava e o seu cafetão me roubava, eles levaram tudo que eu tinha e por fim levaram até mesmo a minha vida, ainda pude sentir o buraco da bala na minha testa, havia muito sangue lá, eles iriam pagar eu estava com muita fome.

Arrebentei a porta com uma força descomunal, eu sorria por dentro enquanto via os seus olhares assustados, eu urrei de prazer quando perceberam que a pistola não surtia efeito em mim, eu me banqueteei na carne daquela ingrata enquanto ouvia seus gritos de desespero e sentia sua vida se esvair a cada mordida, o covarde correu, sim ele podia correr a vontade mais eu sabia e ele sabia que era o fim, eu escutava seus gritos na escada, eu escutava enquanto segurava o intestino delgado da minha ex esposa nas minhas mãos e depois tudo era silencio apenas. Todos tinham ido embora e só estava eu ali olhando para aquelas paredes brancas e silenciosas, havia paz finalmente, a dor tinha sumido e tudo era perfeito, era como o céu, mas o céu era o lugar dos santos…

 

Os Espíritos de Ana

Publicado: 6 de outubro de 2010 em Os Relatos dos que se foram...

Eu sei que essas serão minhas ultimas linhas mais sei também, que é necessário que eu conte a humanidade sobre o que nos espera do outro lado, o mundo espiritual, eu já estou louca tenho certeza disso mais ainda me resta um pouco de sanidade para descrever todos os eventos que culminaram na minha ruína, eu sei que devo ser rápida, pois eles logo estarão por aqui e me levarão para aquele horror abissal, perdoem-me se minha escrita é fraca e um tanto vaga mais não tenho tempo para pormenores.

Chamo-me Ana Beatriz e sou uma médium vidente e também posso escutar os seres do mundo invisível, tenho esse dom desde que era pequena mais foi quando eu fiz meus quinze anos que ele veio a mim, parecia um anjo e todo seu ser passava calma e tranqüilidade havia também paz em sua voz que sempre me dizia que eu tinha uma missão divina eu deveria ser aquela que traria a mensagem consoladora dos mortos para os seres vivos e prepararia seu retorno que era cheio de promessas de amor e paz entre os seres viventes. Eu estava radiante e também contente por ter sido escolhida para essa missão tão divina minha família logo ficou sabendo e me ajudou a fundar um centro de ajuda aos necessitados.

Oh como fui tola naquela época milhões de vidas foram perdidas por minha culpa, com a ajuda desse “amigo espiritual” o qual nem ouso falar o nome, presidi inúmeras sessões aonde os mais diversos tipos de mortos vinham conversar com seus parentes através da minha boca, às vezes eu falava com a voz deles e até mesmo podia ver o que viam, eram sempre imagens belas de campos floridos e pessoas felizes que corriam de mãos dadas sob uma luz protetora que parecia vir do infinito e envolvia a todos, como era bom ver todas aquelas pessoas saírem felizes das reuniões comprando vários livros meus e de outros escritores igualmente inspirados pelo amável mentor.

Certa vez fui à casa de uma senhora que tinha atendido há muito tempo em uma das minhas sessões, era uma rica senhora na época mais quando a vi não podia acreditar, estava pobre vivendo em uma espécie de cabana improvisada, tudo que ela possuía eram apenas alguns utensílios básicos e num canto da cabana todos os livros que tinha comprado de mim, ela me abraçou eufórica como se eu fosse uma espécie de messias e enquanto falava sem parar sobre as maravilhas que eu tinha feito em sua vida percebi algo perturbador no seu olhar, era um olhar vidrado e doentio como se a realidade que eles vissem fosse outra qualquer longe do mundo real, eu sentia pena da pobre mulher que nada mais sabia falar a não ser sobre os livros que lia vezes e vezes incontáveis.

Sai de sua casa com uma impressão terrível, um estranho sentimento tomou conta do meu ser e acredito que nesse dia minha fé começou a se desfazer, enquanto eu entrava no carro vi uma cena mais bizarra ainda, a velha mulher estava falando com um sujeito maltrapilho que percebendo meu interesse se virou em minha direção causando-me um mal estar tão profundo que quase desmaiei nunca tinha sentido nada igual as trevas se apossaram de mim naquele instante e senti que caia num poço sem fundo, súbito ele estava sentado no banco dos passageiros seus olhos eram negros como a noite e seu rosto estava retorcido em um grito de pânico mais não havia som alias não havia nada, por instantes existia apenas eu e aquela maldita aparição eu estava paralisada de terror quando ouvi um batida no vidro do carro.

Um policial estava parado me observando e perguntou se eu estava bem, olhei para o banco do passageiro e não havia mais ninguém lá, respondi que sim e dirigi de volta para casa, estava exausta nunca tinha sentido nada tão repulsivo e assustador quanto a sensação que aquele espírito me passou, cheguei em casa e desci do carro quando abri a porta de casa me deparei com o espírito do meu finado avô tomando um baita susto que logo deu lugar a uma curiosidade mórbida, ele parecia muito preocupado não era aquele sorridente avô que conhecia antes de morrer, mais então ele abriu a boca e sem soltar som algum me falou algo que me gelou o espírito, foram apenas quatro palavrinhas que poderiam ter salvado minha vida se eu tivesse dado credito, depois de dizê-las ele sumiu de repente como se tivesse sido tragado por algum vórtex demoníaco.

Aquelas palavras ficaram na minha cabeça o dia todo até que meu mentor espiritual apareceu sorridente como sempre e com mais uma tarefa para mim, um novo livro sobre o porque os humanos precisam dele. Notando minha inquietude ele perguntou o que havia acontecido e eu derramei sobre ele um rio de palavras, quando terminei minha narrativa ele me olhava já sem aquele sorriso comum, sua expressão tinha tomado uma nova forma, uma forma sombria e macabra diferente da habitual. Nervoso mandou que eu não desse importância para essas obras da minha imaginação e que fosse logo trabalhar na seara da transformação que seria seu livro.

Como uma marionete sem vida eu obedeci, já não tinha vontade ele a tinha dominado por completo, novamente a historia ia surgindo no papel ditada por ele, só que para meu supremo horror eu agora em vez de ver os sublimes jardins do paraíso prometido por ele via apenas trevas, solidão e o terror extremo! As belas arvores com seus pássaros cantores tinham se transmutado em horrendas pessoas pregadas ao solo que gritavam em coro uma melodia satânica, a grama sempre verde deu lugar a um chão negro infestado de vermes abissais, os grupos felizes de seres tinham se transformado em horríveis e negras feras que nem sequer consigo descrever, não havia luz somente a sombra aterradora a qual a humanidade não poderia imaginar nem nos seus mais insanos pesadelos.

Eu caminhava naquele horrendo vale, os vermes subiam pelas minhas pernas e eu a todo custo tentava tirá-los, as criaturas pareciam me ignorar graças aos céus estavam ocupadas torturando impiedosamente inúmeros espíritos que choravam e gritavam por socorro tive vontade de chorar e o fiz, mais não chorei lagrimas comuns quando as limpei com a palma da mão vi que estava chorando sangue! Um dos espíritos condenados me tocou no ombro e me virei com assombro ao ver que era a senhora que eu tinha visto mais cedo, seus olhos estavam vidrados e ela parecia viver em outro mundo, me ofereceu uma bacia velha cheia de pús e verme dizendo que o bolo estava ótimo, saiam vermes de sua boca.

Acordei novamente com o lápis em mãos e metade do livro escrito, atirei os dois contra a parede e me levantei para encarar o horror definitivo, aquele anjo de luz que sempre me acompanhou e que me fizeram acreditar ser um espírito superior agora era a própria imagem do horror, uma blasfêmia contra todos os céus, ele ria do meu terror e avançava em minha direção com os braços deformados em garras, eu corri porta a fora em direção ao meu carro mais ele estava na garagem e me segurou forte contra a parede, me lambia com aquela língua deformada e começou a me tocar eu chorava e gritava de horror mais ninguém vinha em meu socorro, ele me violentou enquanto dizia que eu deveria dar a luz ao filho do portador da luz, eu iria ser a mãe do próprio anticristo.

Depois de ser sodomizada e estrupada como uma vadia eu fui deixada ali no canto da garagem chorando bastante enquanto ainda podia ouvir os risos do demônio ecoando na minha cabeça, coloquei a mão no meu ventre e com toda certeza pude sentir a vida profana la dentro, uma vida que nunca poderia existir neste mundo, me levantei com dificuldade minha sanidade já tinha ido embora e por isso eu sabia que só havia algo a fazer, enquanto eu subia as escadas era assistida por diversos espíritos, uns com rostos tristes outros felizes e alguns com uma expressão sádica no rosto, enquanto me dirigia a cozinha vi meu avô que tristemente me acenava um gesto de aprovação, ele sabia o que eu iria fazer.

Agora estou com um estilete na mão e meus pulsos sangram sobre esse papel, e o fim eu os escuto vindo lá de baixo, ele deve estar entre eles mais agora já não importa porque esse demônio não deve nascer de forma alguma ele deve nascer, eu ainda posso remediar o mal que eu causei e me desculpar perante tantos que tiveram sua alma perdida eu… (fim do texto).

O doutor respirou aliviado e se dirigiu até o oficial de justiça que o esperava do lado de fora do consultório, o oficial levantou do sofá com dificuldade estava exausto mais a resposta do medico o fez sentir melhor, pena que a mãe não tinha sobrevivido mais o bebe teria um belo lar e cresceria saudável isso ele poderia garantir, afinal tinha aprendido no livro seara da transformação que o futuro salvador lembraria dos que o seguem cegamente até o fim…

Um Sonho com Freddy

Publicado: 6 de outubro de 2010 em Os Relatos dos que se foram...

“Welcome to prime time, bitch!”

Freddy Krueger em a Hora do Pesadelo três

Catarine suava frio assistindo a hora do pesadelo, mal pode se conter com o susto quando viu a parte que o namorado da Nancy, Glen Lantz, e puxado para dentro do colchão e seu sangue espirra para cima como um vulcão em erupção, uma bizarra erupção de sangue. Ela já tinha assistido este mesmo filme milhões de vezes, mais sempre sentia um frio na espinha quando o assistia novamente, na sua opinião o melhor filme do “tio Freddy”, apelido carinhoso que ela deu para o herói de sua infância.

O filme tinha acabado e ela estava com aquela sensação de vazio que a gente sente quando um bom filme, ou livro acaba aquela sensação de querer mais só que estava tarde e ela teria que acordar cedo para ir a escola no dia seguinte, desligou o DVD e a televisão e subiu até o quarto para dormir. Enquanto subia as escadas ouviu um som familiar, mas tão familiar que fez com que seu corpo tremesse todo da cabeça aos pés, ela sorriu quando se refez do susto e pensou que deveria para de assistir tanto os filmes da sua coleção.

Mais quando se aproximou da porta do quarto escutou novamente aquele maldito ruido de algo cortante deslizando na parede, se virou assustada e olhou em volta, com certeza seu irmãozinho estava lhe pregando uma daquelas! Mais ele ia ver, andou tentando não fazer nenhum ruido até o quarto do irmão, ela queria pegá-lo desprevenido e aplicar-lhe uma boa surra, abriu a porta do quarto devagar mais ficou confusa quando viu que estava tudo escuro, acendeu a luz e viu que seu irmão estava no meio de um sono pesado e nem se incomodou com a luz no rosto, ela fechou a porta e decidiu que era somente a sua própria mente lhe pregando peças.

Retornou sem barulho para seu próprio quarto quando ouviu a TV ligada, ela tinha ligado sozinha e estava com um som muito alto, correu escada abaixo para desligar a TV antes que seus pais acordassem e a enchessem de pancada. Ficou assustada quando viu que não era somente a TV que tinha ligado o dvd também e estava rodando aquela parte do filme que aparecem as meninas pulando corda e cantando a medonha musica;

Um, dois, Freddy vem te pegar!

Ela estava tão assustada que mal podia se mexer, alguma coisa estava completamente errada naquela cena toda…

Três, quatro, é melhor trancar o quarto!

Com muito esforço conseguiu caminhar até o sofá e pegar o controle entre as almofadas, apertou o botão de power diversas vezes mais a TV continuava ligada…

Cinco, seis, agarre o seu crucifixo!

(mais…)

O sobrevivente

Publicado: 6 de outubro de 2010 em Os Relatos dos que se foram...

Tomé Oliveira estava exausto o peso de seu rifle parecia ter dobrado e pendia de uma das mãos, o caminho era ingrime e o matagal só piorava a situação, ele não fazia ideia de quanto tempo tinha corrido pra longe daquele açougue a céu aberto, os paraguaios tinham levado a melhor e com certeza o General Venâncio Flores  deveria estar gritando no inferno agora, ele já deveria saber que aquela era uma missão suicida, não ele sabia que era impossível tomar o forte de curupari, mais seu gênio orgulhoso o impeliu para a matança certa, só de lembrar dos companheiros que tinham caído sobre a artilharia dos paraguaios Tomé sentia sua alma se contorcer de dor.

Sentou-se ao lado de uma grande arvore, não fazia ideia de onde estava mais tinha certeza que não foi seguido, ele sabia que logo iria escurecer e precisaria arrumar um local seguro para ficar se não poderia ser o seu fim naquela floresta cheia de perigos, mais o cansaço era tanto que acabou adormecendo ali mesmo sobre a luz do luar. Não foi um sonho reconfortante, na verdade foi um terrível pesadelo com seus companheiros mortos que o repreendiam por deixá-los para trás e queriam devorar sua carne, ele tentava se desvencilhar deles a todo custo mais eram muitos e logo estavam todos sobre ele, então ele acordou com um grito.

Olhou em volta, a penumbra cobria toda mata, se levantou ainda sentindo terríveis dores, tinha sido alvejado no ombro e estava perdendo sangue ele sabia que poderia morrer a qualquer instante se não conseguisse ajuda rápido, escutou ruídos na mata eram passos pesados e lentos, por um momento sorriu mais sua expressão tornou-se seria quando um inquietante pensamento se formou em sua mente confusa poderia ser batedores inimigos e ele estava ali sozinho, se escondeu por trás da grande arvore aonde tinha dormido e recarregou o rifle com bastante cuidado para não fazer barulho quando terminou verificou a munição da pistola e ficou satisfeito porque ela estava carregada, ficou ali apurando o ouvido tentando ouvir algum som.

Os passos se aproximavam lentos mais pesados, seja o que fosse deveria estar muito machucado pois gemia alto, tomé saiu do esconderijo de rifle em punho esperando o estranho que se aproximava mais ele realmente não podia acreditar no que estava vendo, baixou a guarda espantado e olhou melhor para o estranho homem a sua frente, era um soldado brasileiro sem duvida e estava muito ferido, aliás tão ferido que seria impossível que ainda estivesse andando daquela forma porque o estranho soldado não tinha o braço esquerdo e o seu intestino grosso pendia da barriga como um macabro cordão umbilical.

O homem ao ver o pobre Tomé ali parado atônito, correu em direção sua direção tentando de alguma forma mordê-lo desesperadamente ele tentava chegar no pescoço de Tomé mais era impedido pelo rifle que o cabo usava para se defender, com um empurrão forte a criatura foi jogada para trás, tomé fez a mira e disparou uma rajada mortal no resto do peito da criatura que simplesmente continuava avançando, Tomé entrou em panico e decidiu fugir, mais foi surpreendido por mais duas criaturas vestidas como soldados paraguaios, com um tiro certeiro da pistola na cabeça um deles caiu pesadamente sobre o chão enquanto os outros dois ainda avançavam em direção ao cabo desesperado.

Enquanto avançava entre os galhos retorcidos das arvores e a vegetação densa, ele tentava desesperadamente recarregar o revolver com chumbo e pólvora, mais a corrida em si e mais o peso do rifle e da mochila de campanha deixava tudo mais difícil, súbito algo o agarrou pelas pernas fazendo com que caísse pesadamente no chão, um horror indescritível rastejava em sua direção com suas mãos esqueléticas rasgando seu uniforme, tomé retira rapidamente seu punhal do cinto e o enfia no cranio branco da criatura que cai sem vida no chão, ele fica deitado tentando recuperar o folego mais novos gemidos o lembram que ele ainda estava em perigo. Recarregou rapidamente a pistola e se levantou olhando ao redor ele viu homens semi decompostos andando pela vegetação que os cobria assim como a Tomé pela metade deixando apenas seu torso exposto.

Tomé estava decidido a não morrer ali, disparou no alvo mais próximo explodindo sua cabeça, mais dois ainda se aproximavam enquanto ele tentava recarregar novamente a pistola, mais devido ao nervosismo acabou deixando cair o ultimo chumbo no chão, praguejou contra os céus e de punhal na mão esperou pela chegada inevitável dos outros dois agressores. Um estampido e um deles cai, Tomé vê uma bela jovem surgir através das arvores e arremessar com destreza um punhal no olho do outro ser que cai com um urro. A mulher sorri e acena para um Tomé sem jeito e logo surgem mais dois homens do meio das arvores.

Um deles, um homem gordo e barbudo, vestindo o uniforme do exercito brasileiro se aproxima de Tomé sorridente enquanto os outros olham em volta a procura de mais agressores;

–        Ora se não é mesmo um rapaz de sorte! Mais um pouco e você era um deles meu rapaz.

A bela jovem se aproxima dele, talvez uma paraguaia, por um momento Tomé ficou hipnotizado com a beleza estonteante da bela morena vestida como camponesa, mais sua contemplação apaixonada foi interrompida por um soldado paraguaio que parecia não comer a dias, Tomé quase avança em direção ao soldado que não devia ter mais que dezessete anos mais foi impedido pela bela mulher;

–        Acalme-se meu bom homem, aqui não somos mais combatentes e sim sobreviventes, será melhor voltarmos a minha cabana antes que apareçam mais dessas coisas

Tomé os acompanhou floresta a dentro até a misteriosa cabana, não era nada muito bonito na verdade passava uma sensação mórbida de desconforto mais segundo Margarita, nome da linda jovem, era o melhor local para se esconderem dos mortos que andam! Tomé não conseguia acreditar no que estava ouvindo, então o gordo soldado brasileiro, Antônio Miranda, contou o que ele havia presenciado;

“Foi horrível juro a ti que nunca esquecerei este dia, meu pelotão veio para ajudar no ataque sob o comando do General Venâncio, foi exaustivo e não preciso lembrar a ti meu caro amigo como foi terrível, fomos dizimados como cães e os poucos sobreviventes procuravam refugio nas matas, somos sortudos por não termos sido alvejados como os

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